Bartira Fortes – A voz da pluralidade humana

Bartira Fortes. Foto: Jackie Campos

Bartira Fortes. Foto: Jackie Campos

A cantora Bartira Fortes vive na Suécia desde 2009. Natural de Volta Redonda no Rio de Janeiro e criada na cidade histórica Ouro Preto em Minas Gerias, começou a cantar como soprano no Coral Madrigal Ouro Preto e ingressou no teatro quando era adolescente. Depois participou em vários projetos de teatro e música no Brasil. A sua primeira apresentação em Estocolmo foi no Brazilian Day 2011 e desde então Bartira vem se apresentando em vários clubes e festivais de jazz na Suécia. Seguimos o trabalho dela com muito interesse e comprovamos que Bartira, além do repertório de clássicos da MPB e da Bossa Nova, está numa fase muito interessante. Com suas composições novas, ela está marcando um trabalho extraordinário com textos e idéias muito inovadoras. O site Braz convidou o jornalista Luiz Carlos Fernandes para fazer uma entrevista com essa brilhante cantora.

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Bartira Fortes. Foto: Jackie Campos

Bartira Fortes. Foto: Jackie Campos

EXCLUSIVOEntrevista com Bartira Fortes após a apresentaçao no Festival de Jazz de Estocolmo 2015

Bartira Fortes acredita que nós estamos vivendo sob uma ameaça fascista onde as diferenças – sejam elas sociais, raciais, culturais e de gênero – têm assombrado o mundo e dado origem a uma intolerância desenfreada oriunda do medo do novo, do diferente. Por isso, é justamente na beleza da diversidade e da pluralidade que reside a arte de Bartira Fortes.

”Sou negro, sou branco, sou mestiça. Sou puto, sou santa. Porque tudo igual. Sou gente, sou eu, sou da vida. Sou plural, sem igual, paradoxal”.

O refrão acima é da canção Identidades, uma das músicas o Projeto ID e que faz parte de seu primeiro disco que está em desenvolvimento e será lançado no próximo ano.

Abordar através da música temáticas tabus como racismo, homofobia, sexismo, xenofobia e outras formas de preconceito é o objetivo do seu projeto que tem ganhado repercussão internacional.

Em sua música a cantora mistura jazz com ritmos africanos, brasileiros e latinos. E essa mistura evidencia a pluralidade da identidade musical do projeto e é vista de forma muito positiva dentro do mundo da música. Assim, por que não transmitir essa pluralidade trazendo temas tabus para o ambiente musical que tem a capacidade de unir pessoas? Essa, entre outras, é a proposta do Projeto Identidades (ID) da cantora, atriz, compositora e jornalista Bartira Fortes.

Na sua opinião, a participação no Festival de Jazz de Estocolmo foi um momento importante para sua carreira e para o Projeto ID? Por que?
Foi no Festival de Jazz de Estocolmo que estreiamos o Projeto ID ao vivo e esse encontro corporal com o público trouxe uma nova perspectiva para o projeto. Foi muito enriquecedor percebermos a força da mensagem que o projeto carrega a partir dessa interação. Após a apresentação muitas pessoas vieram compartilhar histórias e acontecimentos que, de alguma forma, foi revivenciado por elas ao ouvir as músicas. Isso mostra que as músicas despertaram no público uma reflexão, uma necessidade de compartilhar experiências inclusive pessoais, e este é o objetivo desse projeto. Atualmente o jazz não tem sido propriamente o estilo musical associado à resistência, como foi com Bilie Holiday e Nina Simone, por exemplo. Atualmente, é mais comum vermos o Hip Hop e o Rap cumprindo este papel na música. Assim, resgatar para esse ambiente do jazz temáticas consideradas tabus pode, de alguma forma, ampliar e oferecer outras perspectivas de discurso e contestação sociais.

Você poderia nos contar um pouco mais como foi a reação do público durante e depois da sua apresentação?
O público teve uma reação muito positiva e as pessoas estavam de fato de corpo presente para criar um espaço de celebração da pluralidade humana. O público era composto em sua maioria por admiradores de Jazz e retomar essas temáticas dentro deste estilo foi visto de forma muito positiva pela platéia. Após a apresentação muitas mulheres me escreveram falando da música Minha carne e como elas se identificaram com a letra. Outras, me contaram casos que elas tinham vivenciado sobres os temas tratados nas músicas. E por fim, algumas falavam da minha entrega com o corpo nu maquiado metade em negro como uma forma de trazer todas as mulheres que eu quero abordar no meu discurso. Eu acredito que a música tem o poder de unir as pessoas. Pessoas de todas raças, cores e nacionalidades se juntam para dançar e ouvir música. Por que não usar essa capacidade da música para nos unirmos em busca de uma maior harmonia no mundo? Eu já me apresentei em outros festivais cantando ícones da música brasileira e as pessoas se identificavam com o ritmo, faziam uma análise muito mais musical. Dessa vez, no entanto, para além do ritmo buscamos trazer uma reflexão e um debate. Se no pós-guerra as pessoas buscavam a tranquilidade do Barquinho que navegava nas Águas de março, o mundo de hoje é um turbilhão de micro-revoluções que são confrontadas a todo instante. E ver esse grito de liberdade que busco em minha música envolver e interessar o público faz crescer em mim uma esperança que essa intolerância e ameaça fascista irão perder seus lugares.

Qual a história por trás da música ”Minha Carne” e como foi recebido?
O corpo da mulher no Brasil ainda é muito estigmatizado. A mulher muitas vezes é colocada como culpada pelo assédio que sofre, enquanto o homem é colocado como um ser que não consegue controlar os seus instintos diante do corpo feminino. Este é um dos temas chave desse projeto visto que a violência contra a mulher é significativamente expressiva no Brasil, onde ainda se vincula o corpo feminino à objetificação sexual e se culpabiliza a vítima ao justificar o assédio pelo tamanho de sua saia. Essa música é um canto de liberdade. Um “não” aos padrões opressores baseados em normas de gênero. No vídeo clipe da música onde trago o meu corpo nu, não quis trazer algo sexualizado mais sim um corpo entregue a uma causa, um corpo que chamo de Corpo Engajado (tema de sua tese de bacharelado pela Universidade de Ouro Preto, MG).

Em entrevista ao Portal R7 da Rede Record, o jornalista Diego Junqueira me perguntou qual o tabu que mais separa o Brasil da Suécia e minha resposta foi imediata:
O tabu que mais separa o Brasil da Suécia é o respeito pelo espaço do outro. Aqui eu jamais fui abordada na rua de uma maneira desrespeitosa. Ao passo que no Brasil as mulheres vivem isso diariamente. Então isso foi uma grande libertação para mim. Eu posso aqui me comportar como eu realmente me sinto confortável”.

Como você sente ao receber um grande reconhecimento pelo seu trabalho de fora para dentro do Brasil?
Primeiramente, começar o projeto na Suécia foi muito importante, por ser um país avançando na discussão de temas que no Brasil ainda são tratados como grandes tabus. Aqui eu tenho experimentado o Brasil “de fora para dentro”, além de explorar novos elementos culturais e musicais que têm sido decisivos para o o desenvolvimento do projeto. Por outro lado, existe uma relação muito profunda dos suecos com a Bossa Nova, o que também traz uma perspectiva diferente para a maneira como eu, sendo brasileira, vejo a música de meu país de origem. Embora eu esteja na Suécia, eu sou brasileira e o Brasil está incorporado em mim, logo, eu sinto a necessidade de me comunicar com meu país. Mas além do Brasil, o projeto tem despertado interesse em outros países, como Angola por exemplo. Em Angola minhas músicas têm sido tocadas diariamente nas rádios. Essa repercussão é, para mim, como um combustível para o Projeto ID e percebo, assim, que as temáticas que abordo não têm fronteiras.

Afinal, o que é o Projeto ID? E qual é o futuro?
O projeto visa criar um diálogo a partir de temáticas consideradas tabus sociais que envolvem questões acerca da construção da identidade – como discriminação social, racial e de gênero, sexismo, violência, xenofobia, fascismo, desigualdade social, entre outros. Pretendemos estabelecer esse diálogo não apenas através da música, mas também através de palestras, workshops, em forma de documentário e livro. Como mestranda eu abordo esses temas em minha tese sobre ”Ativismo Sonoro” e agora, como jornalista, também terei um outro tipo de espaço para falar sobre essas temáticas. No futuro pretendo lançar um livro dando seguimento aos estudos no doutorado.

Bartira Fortes, cantora, compositora, jornalista, atriz e diretora teatral de formação pela Universidade Federal de Ouro Preto – MG, desenvolve na Suécia um estudo sobre ”Ativismo Sonoro”, tese de seu mestrado em Filosofia da Arte, pela Universidade de Estocolmo. Trabalha também como Correspondente Internacional na Suécia para o Brasil e Angola. É com grande alegria que a cantora concedeu entrevista ao Bar Brasil.

Luiz Carlos Fernandes

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